Ana Rita: Um dia o espelho vai sorrir
Ana Rita, de 26 anos de idade, é uma pessoa meiga, prestável e muito comunicativa.
Vive com a mãe e com a avó materna – esta a precisar de cuidados, dada a sua idade e saúde frágil, e de quem ajuda a cuidar.
Recorda os avós com muito carinho e afeto. Do avô que já partiu sente amor, pela avó uma grande paixão. Deles recebeu muito. Ainda hoje se lembra do quintal onde ia com o avô apanhar aqueles dióspiros tão saborosos, que eram, e ainda são, a sua fruta preferida. É também com ternura que fala da madrinha, uma pessoa alegre e com muita vivacidade. Com ela viveu momentos inesquecíveis, como aquelas idas à praia em que a areia fazia cócegas nos pés e a água salgada deixava gotas que teimavam em lembrar o que é a alegria.
Como ela, Rita também se considera uma pessoa alegre. Mas, às vezes, depara-se com momentos de solidão, de alguma tristeza e desilusão com a sua vida e, sobretudo, com a sua própria imagem. Não é fácil ser pequena e ter excesso de peso. Não é nada fácil quando o vazio cá de dentro nos devora como um monstro que só a comida acalma.
Reconhece que esta luta interior só serena um pouco quando tem espaço para ser ouvida. Ela própria vai dando voz aos sentimentos, quando sente que tem espaço para ser, quando sente que, afinal, não é invisível para os que estão à sua volta. Mas para conseguir perceber os sentimentos, é preciso tempo e confiar em quem nos ouve. Confiar leva tempo. É perceber que alguém nos lê por dentro e não tem medo do que encontra. É preciso quem esteja para nós. É preciso saber olhar para além do espelho e perceber que a imagem que teima em aparecer não tem nada a ver com a que temos cá dentro. Somos muito mais. Com pessoas de confiança, os sentimentos de cada momento tomam forma, fazem sentido.
Diz sentir-se muito alegre quando recebe uma prenda, ou quando faz anos e lhe cantam os parabéns. Mas quando falta o saldo no telemóvel e não consegue falar com os amigos fica triste. São pequenas coisas, mas que são tão importantes pois trazem outros sentimentos atrás.
Quando a luta interior não lhe permite falar, pede simplesmente uma folha de papel para dizer ou desenhar o que de melhor ou de pior lhe vai lá dentro. Outras vezes usa o computador para escrever os seus textos. Os traços e as letras ajudam a sentir, dão forma ao vazio, ajudam a redesenharmo-nos.
Refere, com alguma frequência, não gostar do que aparece no espelho. Sente que não consegue mexer-se bem e o maior receio é vir a contrair diabetes, como já aconteceu e acontece com familiares. Fica a determinação de poder, com ajudas e muita força de vontade, acalmar esse monstro que nunca deixa de querer mais. Já antes o conseguiu, por isso sabe ser capaz. Esta vontade coloca-lhe um brilho especial no olhar, pois sabe que, um dia, o espelho vai sorrir para ela.
“Imagens e Histórias: eu mudo, tu mudas e juntos mudamos o mundo” é um projeto da APPACDM de Coimbra. O seu objetivo é contribuir para mudar a representação social da pessoa com deficiência na sociedade, através de histórias e retratos dos seus utentes. Cofinanciado pelo Programa de Financiamento a Projectos pelo INR, I.P., o projeto deu início, no dia 6 de outubro, à sua divulgação. Semanalmente, às quartas-feiras, as histórias e retratos vão ser publicados no Diário de Coimbra. Saiba mais aqui.
Fotografia de João Azevedo.