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Carlos Pinheiro: Inverter o rumo

Desde criança que o caminho foi árduo, íngreme e com muitas curvas. Sentado no comboio com a bagagem aos seus pés, Carlos olha a paisagem e tapa um dos olhos a ver se a perspetiva é diferente. Mas pouco muda. 

Não estando preparado, Carlos entrou na carruagem da marcha e da fala mais tarde do que era esperado. Tinha sete anos quando saiu na estação da APPACDM de Coimbra, onde fez a sua aprendizagem escolar. Aos 14 anos, aprendeu a deslocar-se nos transportes públicos sozinho, o que foi uma conquista para a sua vida. Determinado a não recuar, reservou o seu lugar e prosseguiu o seu caminho pela formação profissional, na área de Limpeza e Bar. 

Tinha 18 anos quando sentiu a velha picada familiar que o fez apanhar outro comboio. Isto de fazer viagens com destino, há sempre alguma coisa que nos atrasa. Dá impressão que o comboio está parado, talvez dê tempo para dormir um bocado. Quando acordou, Carlos percebeu que tinha havido um engano e que os rostos familiares já não estavam ao seu lado. Depois de baixar a cabeça, passou a ficar de olho no coração e a manter os olhos bem abertos. Mas ficou difícil de perdoar quem o enganou. 

Já no apeadeiro da Unidade da Tocha, continuou o seu percurso de formação na área de Hotelaria e Cozinha e passou por Empresas de Inserção. Ainda assim, não lhe foi possível integrar o mercado de trabalho. Durante algum tempo, as linhas desapareceram e o vagão saiu dos carris. 

Mas Carlos optou por começar de novo e inverter o rumo. Decidiu mudar de lugar e colocar-se num ponto mais estratégico, onde conseguia ver a paisagem por inteiro. Começou a assumir responsabilidades no Centro de Férias Quinta da Fonte Quente, fazendo a receção de grupos de Colónias de Férias e sendo o disc jockey das mesmas. Eram estes trabalhos que permitiam comprar o bilhete para ir a casa visitar a família. Com 30 anos, é integrado no Centro de Atividades Ocupacionais da Tocha, na área de Serviços Oficinais, onde tem as condições para realizar os seus projetos pessoais e contribuir para a manutenção do Centro. 

Já muito distancia Carlos do seu difícil passado, agora com 42 anos. Quando olha à sua volta, gosta do que vê. Gosta de passeios sem destino, de ouvir e sentir o palpitar da natureza. Gosta de cuidar de animais, tendo já realizado voluntariado num Centro Veterinário. Às vezes, precisa de parar um bocado para respirar, de ter o seu espaço. Gosta de se sentir reconhecido em cada uma das carruagens ou apeadeiros por onde passa, como nas Assembleias da APPACDM, onde dá voz aos seus colegas, defendendo e lutando pela inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. 

A viagem não tem sido fácil, mas, de alguma forma, a bagagem tornou-se mais leve. Existem coisas que nunca serão certas e coisas que precisam de mudanças. Esta é a história do Carlos, assim como da APPACDM de Coimbra. E uma não existe sem a outra. 

“Imagens e Histórias: eu mudo, tu mudas e juntos mudamos o mundo” é um projeto da APPACDM de Coimbra. O seu objetivo é contribuir para mudar a representação social da pessoa com deficiência na sociedade, através de histórias e retratos dos seus utentes. Cofinanciado pelo Programa de Financiamento a Projectos pelo INR, I.P., o projeto deu início, no dia 6 de outubro, à sua divulgação. Semanalmente, às quartas-feiras, as histórias e retratos vão ser publicados no Diário de Coimbra. Saiba mais aqui.

Fotografia de João Azevedo.

Carlos Pinheiro: Inverter o rumo