Avançar para conteúdo principal

Joana: a travessia das escarpas da teimosia

Refilona, teimosa, não aceita um não. Arguta, de ar malandro, cabelo rebelde, anafada e de grandes olhos azuis, assim é a Joana, que reside numa aldeia do concelho de Montemor-o-Velho.  

Desiludida com o mundo, que teima em ter regras que não lhe agradam, desiludida com as pessoas, que teimam em não lhe fazer todas as vontades, Joana acredita que no amor não há espaço para a palavra Não.  

Chateia-se, revolta-se, reclama com tudo e com todos, como uma tempestade, agita o mar. Joana reconhece este seu feitio particular, que põe os nervos em franja a todos aqueles que ela escolhe como alvo. Acredita piamente que é possível mudar e ser melhor, mesmo que por instantes. Compromete-se com os outros, descomprometendo-se consigo própria, pois a culpa nunca é dela, e, no caminho, quer paz. Esta paz é o seu desassossego. Esta paz implica não lhe ser solicitada ajuda para as tarefas domésticas, como apanhar e estender roupa, cozinhar e passar a ferro; implica também uma relação simbiótica com as amigas com as quais quer e não quer estar, com as quais se identifica, mas também não, das quais não prescinde, mas que às vezes quer afastar. 

A família é a sua maior embarcação, aquela que nunca afunda, robusta, estruturada e atenta, navegando ao seu lado. Os pais são o seu pilar, os que estão lá sempre, mesmo quando a maré sobe e o vento é forte. A irmã, que é mais velha, é sua conselheira, e procura nela a aprovação e o conforto das palavras e dos abraços. Os avós, figuras constantes do tempo passado, ajudaram-na a crescer, não se opondo às marés e rumando à sua mercê.  

A Joana relembra os tempos de infância de forma feliz, com muitas gargalhadas e sempre muito ativa. Hoje a vivacidade e a agilidade não são as mesmas de outrora, tem uns quilos a mais, que a incomodam e que contribuem para a agitação marítima. Um verdadeiro rebuliço interior para Joana! Por isso, lá anda com a sua garrafa de 2L de água, que nem sempre bebe, para cima e para baixo, a fazer caminhadas diárias, a andar de bicicleta sempre que o tempo o permite, com o pensamento na dieta, que não faz, e no café que tanta falta lhe faz beber. Para a Joana o difícil é ter um prato meio cheio, que tenha tudo o que gosta, onde consiga distinguir todos os sabores e texturas na medida certa e nos momentos oportunos, como em tudo na vida.  

No seu quarto, Joana gosta de ouvir música e de ler romances. Na viagem, acredita que consegue ser feliz e ter sossego na sua cabeça. Curiosa, intensa, espontânea e muito afetiva, Joana navega fervorosamente na vida, não deixando ninguém indiferente. 

O futuro é longínquo, mas não incerto, pois sabe que haverá sempre um porto onde poderá ancorar, e aí encontrar-se num abrigo seguro e reconfortante, de onde possa contemplar e sentir a tão almejada, mas difícil de alcançar, calmaria do mar. 

“Imagens e Histórias: eu mudo, tu mudas e juntos mudamos o mundo” é um projeto da APPACDM de Coimbra. O seu objetivo é contribuir para mudar a representação social da pessoa com deficiência na sociedade, através de histórias e retratos dos seus utentes. Cofinanciado pelo Programa de Financiamento a Projectos pelo INR, I.P., o projeto deu início, no dia 6 de outubro, à sua divulgação. Semanalmente, às quartas-feiras, as histórias e retratos vão ser publicados no Diário de Coimbra. Saiba mais aqui.

Fotografia de João Azevedo.

Joana: a travessia das escarpas da teimosia