Avançar para conteúdo principal

José: O pássaro

Era uma vez um rapaz chamado José, Zezito para quem o conhece desde sempre. 

Zezito não tem ar de menino, não se deixem enganar pelo diminutivo. É um homem, com o rosto marcado pelos anos e pelas angústias que a vida lhe tem vindo a impor. Os já muitos cabelos brancos denunciam-lhe a idade, mas os olhos brilhantes e marotos denunciam a sua ânsia de conhecer o mundo e de se aventurar a sonhar. As mãos são robustas e evidenciam o hábito de usar da força para trabalhar a terra, não descurando a gentileza e atenção para cumprimentar todos os que cruzam o seu caminho, bem como para cuidar dos animais. “São mãos de trabalho, sempre trabalhei”, conta José. 

Zezito nasceu, cresceu e vive numa aldeia no concelho de Montemor-o-Velho. Tem na sua vida pessoas de sempre, que o apoiam e ajudam nas necessidades que vão conseguindo identificar. A bom ver, só vimos aquilo com que nos identificamos e às vezes Zé, como é tratado na APPACDM, sente-se incompreendido. Contudo, não é rapaz para se acanhar, e se a coisa não lhe corre de feição, Zé procura a solução. Esta persistência, que roça a obstinação e deixa os colegas com os nervos em franja, vale-lhe muitas vezes um grito: “és um chato”. 

Quando recorda a infância, Zé tem uma memória muito clara na sua cabeça – uma ida à praia. Um dia, foi molhar os pés com os primos e aquela água, cheia de vida e fria, não lhe saiu do pensamento. Estas memórias trazem-lhe felicidade, sempre gostou de pessoas, de conviver com elas e de as conhecer. 

Este rapaz, desde que se lembra, trabalhou no campo. Depois de os pais falecerem, os dias, de segunda a domingo, eram todos iguais, pois os animais não deixam de comer por ser fim-de-semana. 

O presente é diferente, o domingo é o dia de folga, dia de descanso, de estar com os que conhece desde sempre, de ir à missa, de ver televisão e de fazer o que mais lhe apetece. “No resto da semana é sempre dia de trabalho”, afirma. 

Zé não consegue pensar na sua vida sem apoio. Apesar de conseguir sozinho fazer algumas das lides domésticas, como lavar a roupa, lavar a loiça e alguns cozinhados simples, precisa de ajuda, orientação e supervisão em todas as atividades, contando para isso com um primo que o acompanha e supre as suas necessidades essenciais. 

Segundo ele, a sua história de vida é “a história de quem não sabe”. Mas o seu maior desejo é alterar esse sentimento e poder passear, aproveitar e ter tempo para ele. Zé quer experienciar, quer conhecer, quer provar, quer ver e sentir o mundo à sua volta. 

Quando pensa no amanhã, refere que precisa de apoio para voar. Ele não conhece as alturas, mas gostava de as ver de perto: “parece bom, andar nas alturas faz as pessoas contentes”. Para o futuro ambiciona a felicidade. Acha que o corpo vai ser mais velho e menos capaz para trabalhar, mas não para voar. 

“Imagens e Histórias: eu mudo, tu mudas e juntos mudamos o mundo” é um projeto da APPACDM de Coimbra. O seu objetivo é contribuir para mudar a representação social da pessoa com deficiência na sociedade, através de histórias e retratos dos seus utentes. O projeto deu início, no dia 6 de outubro de 2021, à sua divulgação. Semanalmente, às quartas-feiras, as histórias e retratos vão ser publicados no Diário de Coimbra. Saiba mais aqui.

Fotografia de João Azevedo.

José: O pássaro