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Fernando: Quebrar os ciclos

Foi já a lutar pela vida que Fernando nasceu, com “álcool no sangue” e anemia grave, na Maternidade Alfredo da Costa. A par, os pais debatiam-se com inúmeras dificuldades em necessidades básicas. Fernando foi entregue aos cuidados dos avós maternos com apenas sete meses, mantendo contacto com os pais de forma pontual. O pai faleceu cedo e a mãe desapareceu aos 45 anos. A avó, mulher de estatura pequena e frágil, tornou-se gigante em afetos para o abrigar e o fazer renascer em esperança.  

A entrada na escola foi espinhosa e pautada por dificuldades de aprendizagem. Fernando transitou para um Colégio de Reeducação Especial, onde completou o 6º ano por volta dos 18 anos. Nessa altura, os avós, já reformados, decidem regressar à Cerdeira, em Arganil, para uma vida mais tranquila.  

Ao chegar à nova localidade, Fernando permaneceu algum tempo por casa, perdido, sem saber o que fazer e onde se movimentar. As lacunas em competências relacionais e profissionais transformaram-se em experiências erráticas em formações e trabalhos. Ao mesmo tempo, Fernando apaixonou-se por uma jovem que conheceu no teletexto da TV. Os avós apoiaram o namoro e o casamento. Os primeiros tempos do novo casal foram felizes e daí nasceu uma linda menina.  

Mas, passados alguns anos, uma névoa negra começou a formar-se. O outrora grande amor da vida de Fernando iniciou um percurso de agressões verbais e psicológicas. A má gestão de dinheiro, a par de limitações graves nos cuidados a prestar a um bebé, conduziram a uma repetição de um ciclo familiar: a menina foi-lhes retirada com poucos meses de vida.  

A avó faleceu um par de anos depois, deixando Fernando completamente à deriva. A tristeza e irritabilidade tomaram conta dos seus dias, à medida que a relação do casal ia ficando mais tóxica e o divórcio foi inevitável. Fernando permaneceu em casa com o avô.  

Em setembro de 2019, sem rumo à vista, por intermédio de contactos com uma funcionária da APPACDM, Fernando optou por ingressar na Instituição. Hoje, identifica esse momento como um ponto de viragem. Encontrou-se nos outros e compreendeu-se melhor. Iniciou atividades socialmente úteis na área dos resíduos urbanos reutilizáveis, com uma compensação monetária, o que fez emergir uma nova identidade laboral. 

Aquando do falecimento do avô, há cerca de um ano, passou a viver sozinho e a fazer a gestão da casa. Não se sente sozinho, mas apoiado por pessoas na Instituição e fora dela. Foi sua decisão manter sempre contacto com a filha, através de apoio económico e amor incondicional.  

Espera vê-la crescer e ser feliz e que esta lhe possa dar valor daqui a uns anos. Acalenta os sonhos de pai e num futuro próximo quer realizar o sonho de cantar num bar. É um homem apaziguado com a vida, que espera vir a ser mais feliz e, quem sabe, encontrar uma cara-metade para envelhecerem bem juntinhos e encarquilhados.  

“Imagens e Histórias: eu mudo, tu mudas e juntos mudamos o mundo” é um projeto da APPACDM de Coimbra. O seu objetivo é contribuir para mudar a representação social da pessoa com deficiência na sociedade, através de histórias e retratos dos seus utentes. Cofinanciado pelo Programa de Financiamento a Projectos pelo INR, I.P., o projeto deu ontem, dia 6 de outubro, início à sua divulgação. Semanalmente, às quartas-feiras, as histórias e retratos vão ser publicados no Diário de Coimbra. Saiba mais aqui.

Fotografia de João Azevedo.

Fernando: Quebrar os ciclos